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GALIZA versus GALICIA

GALIZA versus GALICIA Entre as diversas questions que ham de ser ditaminadas por umha normativa linguística galega, encontra-se o nome da nossa naçom. Que bote umha olhada aos textos galegos que hoje se fazem públicos, advertirá que o nome do país aparece, ainda que com desigual frequência de uso, baixo duas formas: "Galicia" e "Galiza".

Nom resultará ocioso, antes de nada, chamar a atençom sobre a especial importância deste vocábulo. Primeiro, pela sua frequência na língua: na prática converte-se num desses vocábulos que mais contribuem a conformar a imagem dum idioma. E segundo, pelo seu significado: para muitos de nós a palavra porta tal carga afectiva que a sua mesma forma externa tende a ver-se determinada pelo seu conteúdo semântico.

Adiantamos qual é a nossa tese: defendemos a forma "Galiza". Pensamos que essa deveria ser a forma estabelecida como normativa. E isto por duas razons fundamentais:

1) Ante todo porque, tal como logo veremos, cremos poder afirmar que é a forma genuinamente galega.
2) Em segundo lugar, porque é a forma que se emprega no restante âmbito da nossa língua, nos estados de língua galega no mundo.

Se se quer, pode-se ainda adir umha advertência: apenas de ser hoje minoritário o emprego da forma "Galiza", a sua adopçom normativa nom comportaria violência para os falantes galegos, nem introduziria artificiosidade no idioma.

OS TEXTOS MEDIEVAIS GALEGOS
Para sabermos qual é a forma autenticamente galega temos de acudir aos textos medievais. Vejamos como se expressavam os nossos antepassados da Idade Média, quando a nossa língua se desenvolvia de forma natural, sem a pressom do castelhano que hoje suporta.

Prescindimos, pois, da precedente evoluiçom do vocábulo latino, ainda que quiçá poderia oferecer também algum apoio à nossa tese. Deixamos de lado igualmente os textos portugueses.

Dividiremos os testemunhos medievais galegos em duas categorias: por umha parte, os escritos que podemos qualificar de literários e, por outra, os documentos de carácter notarial ou similar. Em ambos os casos, os textos analisados abrangem praticamente todo o tempo de cultivo escrito do nosso idioma.

Distribuimos as citaçons por ordem cronológica. Como é sabido, a dataçom dos textos medievais nom sempre resulta fácil. Respeito dos escritos de índole literária faz-se com frequência problemático estabelecer a data exacta da sua composiçom e, tanto para eles como para muitos documentos jurídicos, adem-se dificuldades de dataçom dos manuscritos que chegaram até nós. Esperamos, porém, que os possíveis erros cronológicos nom revistam especial gravidade para o nosso assunto.

a) TEXTOS DE CARÁCTER LITERÁRIO
Citamos todos os casos onde aparece o nosso vocábulo nas obras seguintes: 'Cantigas de Santa Maria' (1), 'Cantigas d'escarnho e maldizer' (2), traduçom da 'Crónica General' e da 'Crónica de Castilla' (3), a versom galega da 'General Estoria' (4), o livro dos 'Miragres de Santiago' (5) e a 'Coronica de Santa Maria de Iria' (6).

Os testemunhos citados merecem algum comentário.
Ressalta ante tudo a absoluta unanimidade destes textos literários no emprego da forma sem i (iode). "Galiza" quase sempre e nalguns casos "Galiça" ou "Galliza", variantes que nom afectam ao nosso problema. Entre os 91 testemunhos nom aparece umha única vez a forma com iode ("Galicia"). E tenha-se em conta umha vez mais que estes textos abrangem umha etapa histórica que vai desde os começos da língua escrita ('Cantigas de Santa Maria', 'Cantigas d'escarnho') até os tempos mais tardios ('Coronica de Santa Maria de Iria'), incluindo de forma satisfatória o lapso intermédio ('Crónica Genral' e 'Miragres de Santiago'). Em todo esse tempo nom assomam indícios de que o idioma modificasse o seu comportamento respeito do tema que nos ocupa.

Devemos atribuir especial relevo aos textos que na sua origem tiveram uma vinculaçom estreita com o espanhol, como som a traduçom da 'Crónica General' ou as 'Cantigas de Santa Maria', já que os textos castelhanos de Afonso X empregam sistematicamente a forma entom comum naquela língua ("Gallizia", com iode). Pois que nom aparecem indícios de interferência entre ambos os idiomas, devemos supor que foi assim porque em galego estava nitidamente estabelecida a forma sem iode ("Galiza").

Respeito da traduçom da 'Crónica General' há-de advertir-se que também as variantes manuscritas empregam sempre formas sem iode ("Galiça" ou "Galiza")

b) TEXTOS DE CARÁCTER NOTARIAL
Valer-nos-emos de duas obras: os documentos publicados por Ferro Couselo e a colecçom documental do mosteiro de Penamaior esudada por Viana.

Pelas razons que logo se veram, estabelecemos neste apartado uma divisom em dous periodos, que nos ajudará a compreender melhor a evoluiçom do vocábulo que estudamos. Cada um dos dous periodos abrange aproximadamente o mesmo número de anos (século e meio: desde meados do séc. XIII até o ano 1400, e desde este ano à primeira metade do séc. XVI). Por casualidade resultou que também o número de vezes em que apareceu o nosso vocábulo vem sendo equivalente em ambos periodos, o que facilitará a confrontaçom.

A presença do nosso vocábulo nos documentos notariais que acabamos de ver sugere diversos comentários.

Por umha parte, surpreende a diferença entre estres instrumentos jurídicos e os textos literários. Mentres nas obras literárias aparecia sempre "Galiza" sem excepçom, nos documentos tabeliónicos ocorre repetidas vezes "Galicia".

Por outra parte, resulta visível a distinta frequência das duas formas em cada um dos periodos que estabelecemos. No primeiro periodo (sécs. XIII-XIV) aparecem somente 7 casos de "Galicia" frente a 30 de "Galiza". Em troca, no segundo periodo (sécs. XV-XVI) as proporçons invertem-se: de 39 ocorrências, somente 5 oferecem a forma sem iode ("Galiza").

Nom parece difícil encontrar umha explicaçom destes factos. Pelo que respeita à diferença entre documentos notariais e textos literários devemos recordar, em primeiro lugar, o carácter mais formalista, em boa medida artificioso, dos instrumentos jurídicos, mais alonjados da fala real; a linguagem dos documentos, com as suas fórmulas estereotipadas e o seu vocabulário latinizante, mostra a influência da tradiçom notarial latina precedente.

E, em segundo lugar, à luz das circunstâncias políticas que a história nos apresenta, teremos de admitir na língua dos instrumentos jurídicos umha influência castelhanizante mais forte que no resto da cultura galega. Tal influência aparece claramente no segundo periodo (sécs. XV-XVI), quando a colonizaçom espanhola se fez mais intensa, mas já se pode detectar nalguns casos em época temperá. Depois de tudo, os notários que redactavam em romance nom podiam -ainda quando eram galegos- escapar da influência chancelaresca daquela outra língua em que se escreviam os documentos do rei, aos que mesmo inconscientemente tenderiam a atribuir categoria de modelos.

Nom podemos deter-nos aqui a analisar detalhadamente caso por caso. Como norma geral, os documentos que registam a forma com iode ("Galicia") incluem umha proporçom anormal de castelhanismos. Baste umha única amostra: o documento onde aparece o primeiro exemplo de "Galicia", correspondente ao número 13 da nossa listagem, do ano 1272, apresenta, entre outros, os seguintes castelhanismos: "alguien", "Dios", "missmo", "maldición".

Cremos, pois, poder concluir que a presença da forma "Galicia" nos documentos medievais galegos é efeito da influência castelhanizante; isto é, que constitui um castelhanismo, introduzido por factores extra-linguísticos e em pugna com a forma genuinamente galega "Galiza".

NO GALEGO ORIENTAL
Contra a tese de que "Galicia" é um castelhanismo opom-se às vezes a seguinte objeçom: "Galiza" nom seria a única forma genuinamente galega, senom que corresponderia somente à parte centro-ocidental do território galego, mentres que na franja oriental seria "Galicia" a forma comum. Teriam convivido, pois, no território galego as duas formas; assim, tanto "Galiza" como "Galicia" seriam genuinamente galegas.

O apoio para esta afirmaçom pretende encontrar-se na distribuiçom que ainda actualmente amostra o topónimo "Paço" / "Pacio", estudada recentemente por Elixio Rivas ['Verba' vol 3, 1976>. A ausência da forma "Galicia" nos textos literários explicar-se-ía pela escassa irradiaçom cultural desta zona.

Parece-nos que nom há razons fundadas para tal opiniom. Se bem é certo que a irradiaçom cultural da zona oriental nom pode comparar-se nas letras galegas medievais com a zona compostelana, nom por isso desconhecemos a sua voz nos séculos de cultivo escrito da nossa língua. Se tomamos a zona que Rivas assinala para a forma "Pacio", abarcaremos grande parte da actual província de Lugo, desde o limite com Astúrias até sobrepassar pelo Ocidente o rio Minho e, ademais, a parte nordocidental da actual província de Ourense. Nesta área encontravam-se situados na baixa Idade Média alguns mosteiros de que conservamos abundante documentaçom galega: Meira, Penamaior, Samos e até Montederramo, etc.

Pois bem: os testemunhos documentais que temos agora à mão sugerem que é infundada a suposiçom de que nesta zona se dizia "Galicia" e nom "Galiza". O comportamento que amostram esses documentos a tal respeito nom aparece diferente do da zona centro-ocidental. [A seguir cita até 20, das referidas na listagem de ocorrências>.

Do resto, ainda que admitíssemos essa possibilidade, podemos supor-se se nos permite por um momento mover-nos no terreno dos futuríveis- que a evoluiçom posterior tenderia a ser distinta em ambos os casos. No caso de "Pacio" / "Paço" a pemanência destes resultados divergentes foi possível porque, embora algumha vez convivissem a umha distância geográfica suficientemente curta para que pudessem entrar em contacto, sempre se refeririam cada um a umha realidade diferente. A diferência do conteúdo semântico podia dalgumha maneira servir de apoio à divergência morfológica. Mas tal nom aconteceria evidentemente no hipotético caso de "Galicia" / "Galiza"; temos de supor que aqui a identidade semântica de ambas as formas tenderia a forçar também a coincidência morfológica, sempre que não existisse umha estrutura dialectal de maior alcance, o que nom parece ser o caso.

A MODO DE CONCLUSOM
Vários outros pontos mereceriam ser tratados para podermos configurar umha imagem completa da questiom que estudamos:

1) a evoluiçom da pronúncia (que nom afecta ao nosso problema),
2) a suposta influência galega na forma actual castelhana "Galicia",
3) o uso do artigo ("Galiza" ou "a Galiza"),
4) o emprego do vocábulo na tradiçom literária galega moderna, etc. Nom nos é possível abordar agora esses temas. Simplesmente, pelo que se refere ao emprego dos escritores galegos, lembremos os títulos de duas conhecidas obras de Castelao: 'Sempre en Galiza' e 'As cruzes de pedra na Galiza'.

Parece-nos, porém, fundamentada suficientemente a tese que anunciávamos ao começo: A FORMA "Galicia" É UM CASTELHANISMO EM GALEGO; "GALIZA" DEVERIA SER A FORMA EMPREGADA NORMATIVAMENTE.

José-Martinho MONTERO SANTALHA (1978 )

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