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O MITO DO HOMEN GALEGO, por Alexandre Herculano

O MITO DO HOMEN GALEGO, por Alexandre Herculano    LIMIAR Do prólogo da  obra de Alexandre Herculano “O GALEGO”  e com o subtítulo de  Tipos Portugueses, Vida, Ditos e Feitos de Lárazo Tomé , imos tirar uma selecçom de citas por considera-las de enorme interesse, dado o actual   hibridismo intelectual que impera dentro e fora de nós, da Galiza,  da Europa. Alexandre Herculano, neste texto apressenta-nos ao “ser galego” com uma triple face, tal qual se fosse uma deidade céltica que olha para os tres mundos: o passado, o presente e o futuro.A coragem do galego como mito para os invasores africanos; como xérmolo do nascemento da monarquía de Portugal; como ser intimamente vencelhado à Terra.  Sirvam-nos estas palavras deste excelente escritor português ,para fundamentalmente clarificar ideias e algum que outro “híbrido conceito”: como toma de conciência da nossa memória histórica,  de actitude vital para nós os galegos, como revitalizaçom do nosso orgulho, sempre lembrando que aqueles que possuem a mais longa Memória som os que ficam e moram mais perto da Tradiçom da Terra e do Povo. Isto é vital para a nossa existência, para o nosso presente e futuro, o futuro dunha nación baseada em uma postura étnico-cultural, com centro na vissom espiritoal e organicista da nossa  historia, tal e como  concebirom-no muita da intelectualidade galega, como Vicente Risco, Ramón Otero Pedrayo, Florentino López Cuevillas, Álvaro Cunqueiro, Gonzalo López Abente, A. Taboada Roca, Manuel Murguía, Ramón Cabanillas... por citar só uns poucos homens   Quando os homens e a mulheres da Galiza “re-descubram” sem complexos a sua fermosa e dramática história, voltaram a sentir-se orgulhosos de ser galegos, portugueses, hispânicos i europeus.   CITAS“O galego é, sem a menor sombra de dúvida, o mais distinto, o mais forte, o mais digno da observaçâo do filósofo entre todos os tipos da nossa terra. O galego é um mistério (esta frase nâo sei se fede a Lutero: cheirem-na lá os entendidos); o galego é uma existência singular, que passa desconhecida no meio dos desdéns, e quantas vezes (oh profanaçào!)no meio dos cachaçôes e pontapés de um vulgacho grosseiro; o galego é a obra mais ehgenhosa, mais profunda, mais admirável do pensamento humano.” “Bem prevejo que algum tagarela dos que costumam falar do que nâo entendem, vício mais comum do que se pensa, me tomará para a sua alma, porque logo começo metendo entre os tipos portugueses o galego, o que, no se tísico e superficial bestunto, julgará uma contradiçâo flagrante. A coisa vista pela rama assim parece. Mas quem nâo é capaz de profundar as questôes, para que se há-de meter nelas?Na filosofía do galego há uma distinçâo fundamental, que antes de tudo se deve fazer. É a base do sistema. Sem ela a teoría da ciència fora impossível. Por aí começaremos:A ideia “galego” é complexa; é trina. Há galego-mito---galego-história---galego actualidade: o primeiro é um símbolo; o segundo um ovo; o terceiro um elemento social. Este constitui verdadeiramente o objectivo científico: é a revelar uma porçâo mínima das suas maravilhas que dedicamos os presentes estudos. Oxalá nâo sejam baldados os nossos esforços para restituir ao seu legítimo esplendor uma das entidades mais importantes da moderna sociedade portuguesa. Façamos sentir a diferença do símbolo, do ovo e do elemento social. Pela volta da tarde, envolto no seu albornoz pardacento, o velho kabaile ou berbere das raízes do Atlas narar aos mancebos que o escutam assentados ao redor dele as remotas lendas mouriscas. Muitas vezes aconece versarem essas lendas sobre as guerras de espanha, antes que, conquistada Granada, as águas violentas do Estreito vissem passar fugitivo pela última vez o estandarte outrora glorioso do Profeta. Naqulas tradiçôes, tâo tristes como a voz do narrador, a palavra Djalikia soa de quando em quando como se fora um murmúrio, vindo na aragem do Norte enxerir-se nas palavras guturais e monótonas do kabaile. “Djalikia!”, exclama ele na sua dor patriótica e religiosa.  [“Nome fatal que escureces todas as recordaçôes de glória passada: Djalikia! Os teus reis[1] foram o flagelo dos filhos do Corâo; os teus cavaleiros cobertos de ferro regarm com abundante sangue de mártires os campos e as montanhas de Andalôs. Maldita sejas tu, ó terra fria e húmida, onde o Sol dorme, sem luz, sem calor, deitado no imenso coxim de nevoeiros que, pendente dos quatro ângulos do céu, se balouça sobre os teus pinhais rorejantes! Da s tuas montanhas escarpadas, dos teus vales profundos, das tuas selvas sombrias descia correndo o terror adiante do tropear compassado dos teus ginetes, e dilatava-se para o oriente e para o ocidente, pela Axarkia e pelo Algarbe. Debalde as tribos do Moghreb iam estender uma cerrada abóbada de cimitarras sobre as cabeças dos nossos aterrados irmâos: os braços dos Moghrebins franqueavam, e a abóbada rompía-se, e as espadas dos cavaleiros de Djalikia vinham bater nas frontes das santas mesquitas, e a cruz venerada dos nazarenos aparecia estampada debaixo dos golpes. Nâo eram homens, eram demónios esses pelejadores de Al-djuf, que estavam em frente dos guerreiros do Islâo, firmes como o cedro ameaçado do furacâo, e que ao grito de Santyak se precipitavam contra eles como o leâo contra o caçador inexperto. As tribos mais ilustres dos Amazi[N1] ghs[2] nâo puderam resistir-lhes. Os Morabethins caíram ante eles: caíram ante eles os Mohahhedins! Maldita sejas tu, Djalikia!] É por este, ou por um semelhante epifonema, que o velho kabaile termina sempre as lendas de Andalôs, ou Espanha. Eses contos, narrados ao lusco-fusco, quando a palmeira movida pela bafagem dá um som semelhante ao de resptíl arrastando-se por folhas secas, quando as sombras indecisas dançam pelo pendor agro da montanha, sâo sempre ou misteriosos ou terríveis. A Galiza, banhada pelo mar escuro e incógnito do Norte, é como um Walhalla ou Olimpo na mitologia tenebrosa das recordaçôes mouriscas de Espanha. A Galiza das xácaras e romances do Moghreb é a Escandinavia do Edda entre os povos germânicos; é o galego uma espécie de Odin ou de Thor africano. A esta luz pode-se considerar como um mito, ou símbolo da pancadaría. Na orla setentrional da Lusitânia romana e gótica, à beira do Douro e vizinha da sua foz, existia, talvez desde o século V, uma pinha de casebres povoados de certa salada mestiça de gregos, célticos, romanos, suevos, alanos, visigodos, e nâo sei se de mais alguma raça vinda nâo sei de one, populaçâo esquisita, colecçâo de amostras do género humano cosidas umas nas outras. Chamava-se Cale, nomesobre o qual os eruditos têm cismado deveras, e no meu entender com muitíssima rzâo. Depois da entrada dos sarracenos, Cale conservou-se embrulhada no albornoz mourisco, fazendo biocos à cruz nasteada de novo sobre a margem direita, quando já tda a Galiza estava livre dos câes de Mafamede, denominaçâo eloquente com que os cristâos designavam os mouros, e a que estes polidamente correspondiam com a de porcos nazarenos. Do caretear insolente de Cale desforçaram-se os galizianos pondo-lhe defronte outra pinha de casebres a que chamaram  Portucale. Passados tempos as armas cristâs transpuseram o rio e a povoaçâo nova, a povoaçâo de acinte, devorou a antiga, ou pelo menos subjugou-a. Desde entâo existiu talvez a ponte das barcas –e quem sabe se as escadas do Codessal, porque Portucale estava na sua infância encarapitado no alto da Sé? As academias que indaguem isto. Seja o que for, é certo que Portucale começou  a fazer bulha no mundo, e cale foi esquecendo. Hoje o castro novo chama-se Porto, o castro antigo Vila Nova de Gaia. O fidalgo é súbdito; o peâo senhor, senhor rico, poderoso e soberbo, que julgou sobejo conservar metade do nome. Teve razâo: a monarquia que se formou no Ocidente da Espanha e à roda dele honrou-se  de tomar para si o nome do burgo galego, metade no original, e em pública-forma a outra metade que ele reservara para si. É assim que historicamente o galego é ovo; ovo desta monarquia de Portugal. Afora o nome, ela  herdou de Galiza bom quinhâo de território, parte da populaçâo, os mais ilustres nomes da sua velha aristocracia, muitos costumes, e finalmente a língua, que hoje sehoril e desdenhosa olha com sobranceira para o antigo dialecto que lhe deu origem, falta de piedade filial mais que muito repreensível, e que eu  quisera ver bem zurzida pelos atravessadores, espevitadores e esfoladores da moral pública destes reinos e senhorios, onde nenhuma criatura, que saiba o nome aos bois em história, pode volver os olhos para o extremo horizonte do nosso passado, que nâo enxergue, ao cabo lá, a Galiza. Eis como a palavra galego se reveste já de uma importancia e majestade, que ao primeiro aspecto nâo descobrimos nela. Como todas as fórmulas históricas que representam grandes factos sociais, ela é prolífica – prolífica de uma naçâo cuja origem resume- e mitológica, porque o povo nâo borda a sua poesia rude, mas grandiosa e vivida, senâo em tela assaz vasta para conter as largas dimensôes da sua imaginaçâo. Se Karl, o selvagem imperador dos Francos, nâo houvera sido um espírito imenso, que atirou a Europa dois séculos para diante com a  mâo robusta; se Hruodland, o fero markgraf da Bretanha, nâo fosse o guerreiro mais extremado entre os leudes filhos de pepin, nós nâo teríamos hoje essa lenda de Carlos Magno e Roldâo, a mais popular do Ocidente, à qual cada naçâo deu  uma forma sua, e que todos amam, lêem, comentam e decoram melhor do que a própria cartilha do Mestre Inácio, se é lícito dizê-lo sem ofensa dos bons costumes, aliás desde já dou a comparaçâo por cancelada, trancada, respançada, expungida e excomungada, para que nunca mais se repita, nem por ela se faça obra, até a consumaçâo dos séculos.” “Agora o que me custa sofrer com paciência é que se diga: o galego é nascido em galiza. Quem é que ousa afirmá-lo? A primeira cousa que eu nego é que um galego nasça. De outra qualquer criatura bípede pode dizer-se; este nasceu em Cassurâes, em Ranhados, em Sargalhos, aquí ou acolá; mas o aparecimento do galego nâo há senâo uma frase rigorosa que o exprima: veio da terra. Tenho visto muito mundo, falado com muita gente, nunca vi nem ouvi que nenhum galego nascesse em parte nenhuma. Veio da terra: vai para a terra – eis dos horizontes da aurora e ocaso desse astro social. “Mas a terra do galego”, dir-me-âo, “é algures”. Forte esperteza! É justamente aí que bate o ponto. Se eu ou alguém o soubesse, que tería o negócio de maravilhoso? Depois de longas e suadas meditaçôes acerca da pátria do galego, só tenho alcançado verter mui ténue luz sobre tâo escura e espinhosa matéria. Virando-nos para o mar, em qualquer parte que estejamos, o galego rebenta-nos da direita. A ciência nâo chega mais longe. O nome ddessa pátria galega, a sua latitude e longitude, é vaga, nebulosa e incerta. Vistam-me um peralvilho  de Lisboa com uns calçôes de burel, uma jaqueta de abas, um colete vermelho assertoado, calcem-lhe uns sapatos grossos, dêem-lhe uma fouce e mandem-nopara o Alentejo; no Alentejo chamar-lhe-âo galego, como em Lisboa é galego todo o homem da Beira, em Coimbra o do Porto, no Porto o do Alto Minho, no Alto Minho o filho das margens do Bivey ou do Tambre, e creio que na Andaluzia será o Alentejano, como em Lugo e Compostela o é, talvez o asturiano ou o Vaconço. Quando as expediçôes dos Escandinavos começaram a infestar no século VIII as costas da Europa Meridional, deu-se a esses terríveis piratas vindos do Báltico, e só conhecidos pelas suas devastaçôes, o nome de Normandos (homens do Norte) . Porque pois nâo daremos ao galego o nome que exprime a sua origem sabida? Porque nâo lhe chamaremos o homem direito ou da direita? Evitar-se-ia assim uma homonímia, e ao mesmo tempo indicar-se-ia o objecto pela sua carecterísticva principal e exclusiva, visto que entre todos os vivientes é o galego o único de que se nâo possa dizer que nasça.Assentados estes preliminares filosóficos, indispensáveis para o meu trabalho político-moral, prosseguirei no desenvolvimento ga gravíssima questâo que tenho estudado especialmente, com  aquela profundeza, e proveito comum, a que o público está afeito noutras matérias nâo menos graves, com que ordinariamente o regalem as publicaçôes hebdomärias destes reinos e senhorios de Portugal”   


[1] Os reis de Leâo e Castela sâo denominados as mais das vezes nas crónicas árabes dos séculos XII e XIII reis de Galiza.
[2]Nome que se dâo a si próprios os mouros kabailes ou berberes do sertâo que entesta com o deserto: significa os nobres. Os Morabethins sâo os Almoràvidas: os Mohahhedins sâo os Almóadas

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